ttANTEIRôLO&ATA & C -Sft"0 PRULO //«Tr > J Ci lw r - í iw^~r [Ww A, 6> J^&XBaW ^3^7 t , 1 \-Sf]cO —w r i/lfl T^r \ j HT ■ y ^|r»l 7 1 é^mwt tfdKT Á * ) J Ç^Á 4 J U 1 S^ylymA M «$J V ^ i' v c 4)/ li xnr^^Cj/ KS t) aar * A MENINA DO NARIZINHO arrebitado LIVRO DE FIGURAS POR MONTEIRO LOBATO COM desenhos de VOLTO- L1NO O SOMNO Á BEIRA DO RIO N AQUELLA casinha branca, — lá muito longe, móra uma triste velha, de mais de setenta annos. Coitada! Bem no fim da vida que está, e tremula, e catacega, sem um só dente na bocca jururú... Todo o mundo tem dó delia: — Que tristeza viver sozinha no meio do matto... Pois estão enganados. A velha vive feliz e bem contente da vida, graças a uma netinha órfã de pae e mãe, que lá mora des que nasceu. Menina morena, de olhos pretos como duas jaboticabas — e reinadeira até alli!... Chama-se Lucia, mas ninguém a trata assim. Tem appellido. Yayá? Nenê? Maricota ? Nada disso. Seu appellido é "Nanzinho Rebitado , não é preciso dizer porque. Alem de Lucia, existe na casa a tia Anastacia, uma excellente negra 4 A MENINA DO de estimação, e mais a Excellentissima Se¬ nhora Dona Emilia, uma boneca de panno, fabricada pela preta e muito feiosa, a pobre, com seus olhos de retroz preto e as so¬ brancelhas tão lá em cima que é ver uma cara de bruxa. Mas apesar disso Narizinho quer muito bem á Sra. Dona Emilia, vive a con¬ versar com ella e nunca se deita sem primeiro accommodal-a numa rêdinha armada entre dois pés de cadeira. Fóra esta bruxa de panno, o outro encanto de Narizinho é um ribeirão que passa no fundo do pomar, de aguas tão claras que se vêem as pedras do fundo e toda a peixaria miuda. Não se passa um dia sem que Lucia vá sentar-se á beira d agua, na raiz de um velho ingázeiro, alli ficando horas, a ouvir o barulhinho da corrente e a dar comida aos peixes. E elles bem que a conhecem! E vir chegando a menina e todos lá vêm correndo, de longe, com as cabecinhas erguidas, numa grande famiteza. Chegam primeiro os piquiras, os guarús barrigudinhos, de olhos saltados; vêm depois os lambarys ariscos de rabo vermelho; e finalmente uma ou outra parapitinga desconfiada. E nesse divertimento fica a menina até que a tia Anastacia appareça no portãosinho do pomar e grite com a sua voz soce- gada:— Narizinho! Vovó está chamando! E assim vivem aquellas tres creaturas, lá no fundo do grotáo, muito socegadas da vida, sem inquietações nem aborrecimentos. Certa vez, estando a menina á beira do rio, com a sua boneca, sentiu os olhos pesados e uma grande lombeira pelo corpo. Estirou-se na relva e logo dormiu, embalada pelo murmurinho do ribeirão. E estava já a sonhar um NARIZINHO ARREBITADO 5 lindo sonho quando sentiu cócegas no rosto. Arregalou os olhos e, com grande assombro, viu de pé na ponta do seu narizinho um peixinho ves¬ tido. Vestido sim, pois não! Trazia casaco vermelho, cartola na cabeça e flor ao peito: — uma galanteza! O animalzinho olhava para o rosto delia com ar de quem não está comprehendendo coisa nenhuma. Tão admirada ficou a me¬ nina da maravilhosa scena que re¬ teve o folego, com medo de assustar o e assim permaneceu algum tempo até que a zoada de um insecto a distrahiu. Era um be- souráo que voava por cima da sua cabeça e que depois dumas tantas voltas veiu pousar-lhe na testa. Narizinho, arrepiada, ia espantal-o com um bom tabefe, quando notou que também elle estava vestido de gente, com sobrecasaca, oculos e bengalão. Conteve-se e ficou bem quietinha a ver em que dava aquillo. O besouro, notando a presença do senhor peixe, levou a mão ao chapéo e cumprimentou-o amavelmente: — Ora viva, mestre Escamado ! Como lhe vae a saúdinha? — Assim, assim, amigo Cascudo. Lasquei hontem tres escamas do lombo e o medico receitou-me ares de campo. Vim tomar o remedio, mas aqui encontrei este morro que não é meu conhecido, e estou a parafusar que diacho de terra tão branca e lisa é esta. Será porventura mármore? disse, batendo com a biqueira do guarda-chuva no nariz de Narizinho. O besouro, sujeitão muito entendido em questões de terra, pois vive 6 A MENINA DO a fazer buracos, aga¬ chou-se, ageitou no bico os oculos e depois de examinar a “terra" disse: — Mármore não é. Parece antes bor¬ racha ou requeijão!. . . — E estas plan- tinhas sem folhas? per¬ guntou Escamado, mos¬ trando as sobrancelhas. — Devem ser varas de vime ou barbatanas, não vê como são flexíveis? Vou levar um feixinho delias ao compadre Grillo para que me faça um balaio de costura. — E eu outro, para Dona Aranha Costureira collocar nos espartilhos. E puzeram-se os dois a tirar fios da sobrancelha de Narizinho. Cada “barba¬ tana” que arrancavam era uma dorzinha aguda, e bem vontade teve a terra de varrel-os d’alli com uma tapona, mas tudo supportou, sem a menor careta, tão interessante estava achando a singular aventura. E ficou immovel, a espiar a manobra dos curio¬ sos bichinhos entre- tidos na colheita das varas de barba- tana, pensando lá comsigo: N ARIZINHO ARREBITADO 7 — Esta é boa! Parece que virei baleia!... Em seguida o peixinho, com o feixe de barbatanas debaixo do braço, desceu e principiou a examinar attentamente os lábios e as faces da menina. Deante do nariz parou e, apontando-lhe para as ventas, disse: — Ora aqui está uma tóca muito gcitosa para um casal de besouros. Dois commodos, um para o marido, outro para a senhora besoura. Óptimo !... — Geitosa ella é, disse o besouro, mas bom será que não more aqui al¬ gum maldicto escorpião!... — Não creio, retru¬ cou o peixinho. Os escorpiões mudaram-se para o outro lado do rio, onde ha muitos cupins velhos. — Apesar disso, ac- crescentou o besouro, corre na bocca do povo que um delles anda por cá, assolando estas para¬ gens. E bem pode ser que esteja escondido justamente nesta caverna. — Não creio, disse o peixinho. Tenho uma boa policia que me informa dos menores passos desses monstros. — Em todo o caso vejamos, disse prudentemente o besouro, sacudindo dentro da “tóca” o seu bengalão : — Hu! Hu! Sae fóra, tinhoso! Mas aconteceu que a bengala fez cócegas nas ventas da menina e ella, por mais que se expremesse, não poude conter um grande espirro: “Atchin! 8 A MENINA DO Os dois bichinhos, pegados de surpreza, revi¬ raram de pernas para o ar, cahindo um grande tombo no châo. — Não disse? ex¬ clamou o besouro, erguen- do-se e limpando com a manga o chapéo sujo de terra. Não disse que havia “coisa” ahi dentro? E a tóca do Escorpião Negro, não resta a menor duvida, e eu com raças dc ferrão vene¬ noso não quero historias, não! Até logo, amigo Es¬ camado, sáre bem e seja muito feliz. Caspité! E lá se foi pelos ares afóra, zumbindo que nem um aeroplano . . . O peixinho, porem, era um guarú valente que nunca teve medo de cucas, e porisso alli continuou firme, cada vez mais interessado em decifrar o enigma. Pensou, pensou muito tempo,,de máosinha no queixo, e de repente, vendo a boneca ao lado da menina, bateu na testa, numa grande alegria: — E esta! Pois não é que é Narizinho Rebitado, a nossa amiguinha de todos os dias? Bello encontro! Vou convidal-a a visitar o Reino das N ARIZINHO ARREBITADO 9 Aguas Claras. Empertigou-se todo, arrumou a gravata e gritou no ouvido delia: — O’ de casa! — Quem fala? respondeu Narizinho, fingindo nào saber de nada. — Sou eu, o príncipe Escamado, guarú de prata para te servir. — E que queres tú, peixinho? — Quero convidar a menina para conhecer os meus domínios, lá na cidade das Pedras Redondas, no Reino das Aguas Claras. Narizinho, que não desejava outra coisa, bateu palmas de alegria e exclamou : — Com todo o prazer! Estou ás tuas ordens, amavel príncipe das Escamas de Prata. Dizendo isto, ergueu-se, deu-lhe o braço, e seguidos pela Emilia, que, muito têsinha, ia atraz feito criada, foram-se os dois, como um casal de namo¬ rados, em direcção ao Reino das Aguas Claras. Depois de muito cami¬ nhar, chegaram a uma grande pedreira, numa curva do ribeirão. — A entrada do meu reino é por aqui, disse Escamado, apontando uma furna entre as pedras e dando a mão á menina para ajudal-a a subir. Entraram. Mas a escuridão era peior que a 10 A MENINA DO de uma noite sem estrellas, e Narizinlio parou, cheia de medo. O peixinho sorriu e disse : — Os filhos dos homens só enxergam quando ha luz, mas os filhos das aguas são como as corujas: — tanto vêem no claro como no escuro. E puxou do bolso um vagalume de olhos accesos, pendurado num cabinho de arame. A caverna clareou á luz da lanterna viva, e Narizinho poude ver que se achava n’um corredor comprido, especie de tun- nel, com uma porta ao fundo, fechada. Encostado nessa porta estava um sapo rajado, de espada á cin¬ tura, capacete na cabeça e lança na mão. Era o guarda do palacio. Mas dormia a somno solto, num regalo! — E isto! ex¬ clamou o principe, furioso. Pago a mestre “Agarra - e - Não - Larga - Mais cmcoenta moscas por dia para me tomar conta desta porta e assim que sáio o ladrão ferra-me no somno ! Mas desta vez me paga ! disse preparando-se para acordal-o a ponta - pés. Não! Não! interveiu Narizinho. Vamos antes pregar-lhe uma boa peça. Tiramos as armas desse dorminhoco e vestimol-o com a roupa da Emilia. Imagine o espanto delle quando acordar! Escamado achou óptima a idéa e, pulando os dois de contentes, puze- NARIZINHO ARREBITADO II ram-se a despir o sapo, muito devagarinho ; depois amarraram-lhe á cintura o saiote de pintas vermelhas da Emilia, puzeram-lhe na cabeça a touca da boneca e, em lugar da lança, um guarda-chuva. Ficou tão engraçado o pobre sapo que a menina a custo continha as gargalhadas. — Vamos acor- dal-o agora, disse Esca¬ mado, pespegando-lhe um formidável pontapé na barriga. — Hum! gemeu o sapo, arregalando os olhos e abrindo a bocca, espantado de ver o príncipe em companhia d uma me¬ nina desconhecida e d’uma senhora boneca muito en¬ vergonhada de achar-se em fralda de camisa. Escama¬ do, muito têsinho, engros¬ sou a voz e ralhou: — Bella cousa, mestre Agarra. Vestido de mulher, você o guarda do palacio! _ Vestido de mulher ? Eu ? disse o sapo espantado. — Mire-se neste espelho, disse o principe. Só então o sapo percebeu a judiaria de que linha sido victima. Ficou apalermado, a olhar para o principe, para a menina e para o espelho, sem nada comprehender do caso. — Agora, por castigo, disse o principe, em vez das cmcoenta 12 A MENINA DO moscas do nosso trato, vae engulir hoje cincoenta pedrinhas redondas, ouviu? O sapo derrubou um grande beiço, e foi encorujar-se a um canto, muito desconsolado da vida, emquanto Narizinho ria a mais não poder. Em seguida Escamado abriu a porta e, dando a mão á menina, introdu- ziu-a numa grande sala onde havia um throno. — E aqui a sala do governo, onde dou audiências aos meus súbditos e distribuo justiça, castigando os mãos e premiando os bons. Sentou-se no throno e bateu, com um martellinho de prata. Ires pancadas num gongo de bronze: pom! pom! pom! Immediatamente surgiu um desta¬ camento de grillos fardados sob o commando do capitão Gafonhoto. Perfilaram-se todos e ficaram immoveis como se fossem de páu. Adeante-se! ordenou o príncipe. O capitão adeantou-se e veiu postar-se em frente do throno. NARIZINHO ARREBITADO 13 — Que novidades ha no remo? — Poucas, Magestade. Houve um crime na Tòca Preta. A rà verdo- lenga embriagou-se, e entrando em casa d uma família de baratas matou a ba- rata-màe, feriu gravemente a barata-pae c comeu todas as baratinhas-filhas. — Mande enforcar a criminosa num galho do espinheiro granuc. Que mais? — Corre noticia que o Escorpião Negro anda a rondar o reino, lá dos lados da Pedra Branca. — Má nova! exclamou o principe, franzindo a testa. O Escorpião é o nosso peior inimigo. Precisamos reforçar as muralhas da fronteira. Que mais? — Foram encontrados sem sentidos dois bagres amarellos, a boiar na lagoa pequena. Recolhi-os á enfermaria e lá estão sob os cuidados do doutor Caramujo, que receitou purgante e suadouro. — E isso mesmo. Que mais? — Saberá Vossa Magestade que é só. — Perfeitamente, disse o principe. Faz-se mister agora que o reino saiba da presença, entre nós, desta linda princeza de olhos negros, afim de que o povo e a nobreza lhe prestem todas as homenagens. Quero uma grande 14 A MENINA DO ícsta como nunca houve igual. Avise a côrtc e dê as ordens necessárias, mas antes de nada, mande vir o coche real. O capitão saudou militarmente c sahiu acompanhado dos guardas. Não demorou muito e uma carruagem apparcceu á porta, puxada por tres parelhas de lambarys. Servia de cocheiro um bello camarão de libré vermelha, muito teso no no alto da boléa. Mal o principe e a menina entraram na carruagem, mestre Camarão estalou o chicote e os lambarys partiram como raios. A ENFERMARIA E MQUANTO a carruagem corria pelo fundo do ribeirão, ia Narizinho admirando, atravez das vidraças, os bellos panoramas, as avenidas de areia branca, as pedras redondas e os peixes que paravam respeitosa¬ mente para vel-os passar. Em certo ponto a carruagem mudou de rumo, tomou por uma tóca e foi parar ás portas do hospital. Era uma grande sala, cheia de camas e mesinhas com vidros de reme- dio. Estava lá o dou¬ tor Caramujo, famoso sabio do reino, e mais algumas baratas en¬ fermeiras, vestidas de irmãs de caridade. O príncipe chamou o me¬ dico e pediu noticias NAR1Z1NH0 ARREBITADO 15 dos doentes. Os dois bagres de barriga amarella estavam numa das camas, embrulhados em tres cobertores, muito pallidos e suando em bicas. Escamado tomou-lhes o pulso e viu que tinham febre alta. — Queira Deus não batam as botas!... disse clle para Nanzinho. O doutor Caramujo é um grande medico mas os doentes d elle morrem todos... Não tem sorte nenhuma... Mais adeante, em outra cama, gemia o pae-barata, ferido mortalmente pela rà verde. — Como vae este freguez ? perguntou o principe. — Muito mal, respondeu Caramujo. Quebrou cinco pernas, rasgou uma asa, e está todo arrebentado por dentro. Dei-lhe as pilulas de mestre Escara¬ velho mas não tenho esperanças de salval-o. — Já se confessou ? indagou o principe. — Confessou-se agorinha mesmo e vae commungar neste ins¬ tante. Ahi vem Frei Louva-a-Deos com os sacramentos. Nem bem pronunciara o medico taes palavras, eis que entra Frei Louva-a-Deos, acompanhado dum mosquito coroinha. Era tão triste a scena que Narizinho sentiu vontade de chorar. O frade animou o doente, falou da belleza do céo e offereceu-lhe a hóstia sagrada: uma escamazinha de peixe. Nem podia sentar-se na cama, o pobre. Foi preciso que as irmãs enfermeiras 16 A MENINA DO o erguessem pelos hombros e ficassem alli a sustel-o. O baratão moribundo en- guliu a hóstia, fez uma carela, engasgou, tossiu e morreu. — Antes assim, disse o medico. Si sarasse, que triste vida seria a sua, só no mundo, sem mulher, nem filhos... Todos concorda¬ ram, enxugando cada um a sua lagrima. O principc, depois de ordenar o enterro, perguntou a mestre Caramujo: — E os outros doentes, doutor ? — Os outros?... os ou¬ tros morreram, respondeu elle um tanto enfiado. Escamado piscou para a menina como quem diz : “Vê ? ninguém escapa das mãos dcllc... c convidou-a a retirar-se. Antes de sahir, porem, Narizinho espiou pela janella e viu a rà assassina pendurada pelo pescoço a balan- çar-se no galho dum espinheiro. Teve dó, mas lembrando-se do pae-barata moribundo, disse com- sigo: — Bem feito! NARIZINIIO ARREBITADO NO PALACIO REAL D E volta ao palacio real teve a menina occasião de visitar numerosas sa¬ las, lindamente enfeitadas com avenças, samambaias e musgos de to¬ das as cores. Viu também a bibliotheca, cheia de livros onde os sᬠbios escreveram toda a historia do reino. E lá estava, ainda, folheando-os, um por um, quando um grillo recadeiro veiu chamal-a para o jantar. Foi, sentou- se á mesa ao lado do príncipe, e muito admirou o bom gosto com que tudo estava arrumado. — Artes das senhoras saúvas, disse Escamado, òào ellas que colhem as ílorinhas do campo e enfeitam estes vasos. Os pratos eram lindas conchas côr de ro¬ sa, e as terrinas, busios de brilhante esmalte. Gril- los verdes serviam de cria¬ dos e traziam da cozinha os pratos em que um ca¬ ranguejo gordo, de aven¬ tal b r a n c o e gorra, ia dando os últimos retoques. Veiu uma deliciosa sopa de barbas de camarão, e, depois, lombo de marisco, filé de cigarra, entrecosto de mãe-d-agua, omelete 18 A MENINA DO de ovos de tainha. Para a sobremesa trouxeram mel de jity em pétalas de magnoha, e mil outras preciosidades. Emquanto jantavam, uma excellente orchestra de cigarras, piuns e per¬ nilongos, afinadissimos, executava lindas musicas compostas pelo maestro Sabiá- do-campo. Vieram depois os dançarinos tangarás e dançaram graciosos bailados. Em seguida appareceu um papagaio real que tinha fama de orador. Subiu á tribuna de um poleiro de ouro e fez um bello discurso a respeito da arte de falar. Nesse discurso provou que os homens tinham aprendido a falar com os papagaios, e não os papagaios com os homens, como diz a sciencia destes. Uma chuva de palmas acolheu suas palavras. O mesmo não aconteceu, porem, com a poetiza Lagartixa, que prin¬ cipiou a recitar uma longa poesia c engasgou no meio, acabando o recitativo em chôro e faniquito. Para destruir essa má impressão vieram tres vagalumes mágicos que fizeram varias sortes, sendo muito apreciada a sorte de comer fogo. N ARIZIN HO ARREBITADO 19 Narizinho, encantada, batia palmas a cada novidade e ria-se muito das graças e micagens que o bobo da côrte fazia. Este bobo era o carun¬ cho Carlito Pirolito, um cor- cundinha pegado dentro dum caroço de milho e criado pe¬ lo príncipe para divertir a côrte. Durante o jantar sen- tou-se ao lado de Narizinho e não parou de fazer diabruras e molecagens o tempo todo. E assim correu a alegre refei¬ ção, deixando no espirito da me¬ nina recordações inesqueciveis. Logo que saiu da me¬ sa recolheu-se Narizinho ao quarto afim de preparar-se para o baile da noite. Para servil-a encontrou lá Dona Aranha, a melhor costureira do reino, e também varias mucamas for¬ migas. Dona Aranha adeantou-se e disse respeitosamente: — Quer a menina examinar nossa collecção de vestidos de baile? — Com muito gosto, respondeu Narizinho, encantada. As formigas, incontinenti, abriram os guarda-roupas, dclles retirando uma porção de vestidos luxuosos, cada qual mais lindo. Um era feito de céo azul todo enfeitado de estrellinhas. Outro, de pétalas de rosa com entremeio de myosotis. O que mais encantou Narizinho, porem, foi um vestido de cauda, feito de teia de aranha e enfeitado com diamantezinhos de orvalho. 20 A MENINA DO Nâo podia haver coisa mais linda e Narizinho bateu palmas de alegria, deixando a aranha toda cheia de si porque esse vestido era intei- nnho obra delia; ella mesma fabri- cára o fio, tecera a gaze e ella mesma o cosera. — Vejo que a menina tem muito bom gosto! disse a aranha lisonjeada. E, linda como é, si fôr com elle á festa, certamente que será a rainha da noite. E poz-se a vestil-a, deante de um espelho de prata. Penteou-lhe o ca- bello á moda do reino, calçou-lhe nos pés lindos escarpins de ouro e, nas mãos, luvas fabricadas com pellica de pecego. Deu-lhe depois um maravilhoso leque bordado a raios de sol sobre asas de màe-d’-agua. Narizinho não cabia em si de NARIZINHO ARREBITADO 21 gosto e mirando-se, ao espelho, duvidava dos proprios olhos: — Serei eu mesma ou uma fada das Mil e Uma Noites? Quando julgou que já estivesse prompta veiu a Aranha com vários cofres cheios de diademas, collares, anneis e braceletes capazes de dar inveja ás mais opulentas princezas do mundo. Narizinho escolheu as mais lindas e assim recamada de ouro e brilhantes ficou a scintillar como um sol. — Está “quasi” prom¬ pta, disse a Aranha. — Quasi? disse Na¬ rizinho, sorrindo. Pois falta ain¬ da alguma cousa? A aranha respondeu mandando vir escrinios com pó das asas das mais raras borboletas e polvilhou-a in¬ teira de azul furta-côr. Que maravilha! O proprio espelho chegou a abrir a bocca, es¬ pantado de tanta formosura. Subitamente a porta abriu-se e appareceu o príncipe. — Senhora, disse elle, a corte reunida no grande salào aguarda an* ciosa a rainha da festa. Vinde! E, dando-lhe a mào, conduziu-a com grande cerimonia ao baile. Mal Narizinho entrou, pela sala real correu um murmurio de admira¬ ção, muito explicável, visto como jamais apparecera em Aguas Claras creatura assim tào deslumbrante. E começaram a cochichar que com certeza era a pró¬ pria Fada dos Rios que se encarnára na menina. Algumas damas chegaram 22 A MENINA DO a morder os lábios de inveja quando Narizinho passou á frente delias, pelo braço do príncipe, em direcção ao throno. E uma feia barata descascada, amarella de inveja, murmurou ao ouvido de uma besoura de pernas cambaias, torcendo o nariz : — Nem porisso !... Mas um gentil grillinho verde que estava atrás ouviu o desabafo da invejosa e castigou-a, ferrando-lhe uma terrível den¬ tada na perna secca. A barata gemeu de dôr mas aproveitou a lição, ficando bem caladinha o resto da noite. A sala estava que era um céo aberto. Em vez de lampadas havia no tecto, pelas paredes e pelos vasos, formo¬ sos buquês de raios de sol colhidos pela manhã. Flores em quantidade, lindas flo- N ARIZINHO ARREBITADO 23 res do campo, arrumadas em fes¬ tões pelas senhoras abelhas. Em redor da sala, sentada em cadei¬ rinhas de madrepérola, a nobreza da côrte, em trajes de gala, espe¬ rava as ordens do principe. Havia de tudo. Besouros sérios, de oculos e casaca preta. Baratinhas de mantilha, com myo- sotis no cabello. Abelhas doura¬ das, muito finas de cintura, com laços de fita nas asas. Moscas azues; rãs de todas as cores; lin¬ das mães-d’-agua de corpo esguio e leves como bailarinas; camon- dongos de collete branco e sapa¬ tos de fivella; borboletas com tou- cadinhos de gaze; mariposas, ma- 24 A MENINA DO mangavas... Havia ainda peixes de todos os formatos, caranguejos cas¬ cudos que só andam de lado; ca¬ marões que se atrapalhavam com tantas pernas; mariscos de casca aberta co¬ mo livros; caramujos que carregam a casa ás costas e andam apalpando o caminho com as trombas. Havia até um velho kagado de oihinhos pretos e casca envernizada de novo. A orchestra era composta de cigarras e passarinhos miúdos: canarios, pintasilgos, papacapins, corruiras, viuvinhas. A’ frente delia estava, de batuta no bico, um sabiá-do-campo, maestro de fama. Essa orchestra executou as musicas mais lindas do mundo, fados de rouxinol, canções de patativa, bar¬ carolas de Martim-pesca- dor. Uma lindeza! . . . Afinal o principe deu ordem para a qua¬ drilha. A orchestra rom¬ peu uma composição do maestro Colleirinha e os cavalheiros principiaram a NARIZINHO ARREBITADO 25 tirar as damas. Quem marcava cra um faceiro tangará, famoso mestre sala da côrte. Narizmho, sentada no throno, estava doidinha por dançar. Mas a quadrilha passou-se e ninguém veiu tiral-a. Logo depois, entretanto, a orches- tra rompeu a Valsa Real e o príncipe, levantando-se, disse á menina: — É, chegada a nossa vez. Quer dar-me a honra desta valsa ? Narizinho, que não queria outra cousa, desceu do throno e nos braços do príncipe rodopiou pela sala em gyros tão velozes que mais parecia um pião vivo. O kagado vendo aquillo cochichou para o caramujo: Si aquel- le foguetinho te tirasse para dançar, que seria de ti, compadre ? 26 A MENINA DO Respondeu o caramujo: — Talvez me sahisse melhor do que um cascudo da tua marca! E cada um riu-se lá por dentro da triste figura que faria o outro, porque no reino dos animaes, bem como entre os homens, ninguém se conhece. Terminada a valsa Narizinho voltou para o throno e assistiu a uma polka dançada por um caranguejo e uma tatorana vermelha, muito gor¬ da, de grande faixa de gorgorào na cintura. Apesar do respeito devido ao príncipe, a corte riu-se a mais não poder, e Narizinho che¬ gou a perder o folego. Porque não havia nada mais comico do que o senhor caranguejo a pu¬ lar passos de polka nos braços da senhora tato¬ rana, que suava em bicas numa grande afobação. Quando a musica parou, a dama nem suster-se em pé podia, de tão cançada, e foi preciso carregarem-na a braços e entregal-a aos cuidados do doutor Ca¬ ramujo. Depois desse comico incidente, surgiram na sala as bailarinas libeli¬ nhas. Uma azul, outra vermelha, outra verde esmeralda, todas muito leves- e nervosas, começaram a bailar, treme-tremendo as lindas asas transparentes. Tão vivos e rápidos eram seus movimentos que aquillo mais parecia um bai¬ lado de raios de luz viva¬ mente coloridos. Foi um deslumbra¬ mento. E estavam todos no maior encanto, suspensos no ar pela admiração, quando se ouviu barulho d’uma cor¬ reria em frente do palacio. NARIZINHO ARREBITADO Eram os grillos da guarda que entravam espavoridos e pallidos de terror. — O escorpião negro! annunciaram elles, arregalando os olhos. — O escorpião! . . . repetiram aterronsados os convivas. Foi o mesmo que annunciar a peste. As damas nervosas cairam para trás, desmaiadas; outras treparam em cima das cadeiras, gritando de pavor. A tatorana, com ataque de nervos, tombou desacordada nos braços do Caran¬ guejo. O kagado fechou-se dentro da casca. Os caramujos encolheram-se dentro das conchas. E bichinho de asa não ficou nenhum que não voasse para o tecto. Era tempo. O horrendo Escorpião Negro assomou á porta, do pa¬ lácio, de ferrão arreganhado. Parou. Bufou de cólera e correu pela sala um olhar de desafio. — Quem é essa pequena humana que ousa penetrar no reino dos animaes? disse elle trincando os ferrões. 28 A MENINA DO Depois, vendo Narizinho de pé no espaldar do throno, pallida de es¬ panto e muito atrapalhada com o seu vestido de cauda, arreganhou um sor¬ riso feroz, marcou-a bem e investiu contra ella. Um grito de horror encheu a sala, e todos os olhos se fecharam pa¬ ra não ver a catastrophe. O Escorpião Negro avança, gingando o corpo. Es¬ tá já a um metro da menina. Um passo mais e a alcançará com o seu venenoso ferrão. Narizinho, desvairada, olha para o príncipe, implorando soccorro. Era sua ultima esperança. Escamado não vacilla um momento: arranca da espada e atira-se contra o monstro. Trava-se um medonho ducl- lo. A fera lança successi- vos botes de ferrão mas o príncipe apara-os com a es¬ pada, e depois de muitos golpes consegue acutilar a cabeça do inimigo. O Es¬ corpião solta um berro de dôr e investe com redo¬ brada furia. Todos tremem pelo principe que corre sério pe¬ rigo pela desigualdade das suas forças com as de um monstro daquellc porte. Mas o principe defende-se com heroísmo, arremessando golpes sobre golpes á cabeça do Escorpião, embora já se sentisse cançado. E a lucta ter¬ minaria de um modo trágico si um facto assombroso nào viesse mudar a si- NARIZINHO ARREBITADO 29 tuação. E foi que no melhor da batalha surgiu inesperadamente da cozinha uma bruxa de panno, armada de um espeto de assar lombo de porco. — Emilia!. . . gritou Nanzinho, que desde o caso do sapo, no dia da chegada, esquecera completamente a sua querida boneca. Emilia, em fraldas de camisa, avançou para o Escorpião e zás! zás! fura-lhe os dois olhos num relance. O mons¬ tro dá tamanho urro que o palacio estremece, e depois rebola-se no chão espumando de cólera e dôr. Hurrah! Estava ganha a batalha, gra¬ ças ao espeto da estra¬ nha creatura em fraldas de camisa. — Quem é? quemé? interrogavam de todos os lados os bichinhos numa grande curiosidade de saber quem era a exó¬ tica heroina. Narizinho saltou do throno e veiu para cila de braços abertos. — Perdoa, boa Emilia, ter-me esquecido dc li! Mas deixa estai que pedirei ao príncipe que te faça condessa desta côrte — e abraçou-a, cho¬ rando. Em seguida dirigiu-se ao principe e beijou-lhe as mãos em agradeci¬ mento por haver arriscado a sua preciosa vida por amor delia. Foi uma sccna commovente. Mas, apesar da gravidade do momento, a barata invejosa es¬ piou si o grillinho verde não estava perto e disse ao ouvido da besoura: — Vae ver que isto inda acaba em casamento... E suspirou. Coitada! Eram ciúmes. Apesar de velha e feia essa 30 A MENINA DO barata solteirona não perdera nunca a esperança de casar com o príncipe. A coroca não se enxergava . . . A festa parou ahi. Os convidados recolheram-se ás suas casas, inda assustados, emquanto cincoenta saúvas possantes arrastavam o Escorpião para fóra. Bem que es¬ perneou elle, mas lá foi parar num cárcere de pe¬ dra, com uma corrente de ferro ao pescoço!... — Bufa agora, ladrão! disse um gril- lo da guarda fincando-lhe um valente pon¬ ta pé no focinho. — Alto lá! gritou o Capitão. E prova de covardia bater nos inimigos que não po¬ dem defender-se. E mandou fechar a entrada do cárcere com uma pedra pesada para evitar que o povo lynchasse o prisioneiro. DEPOIS DA FESTA N O dia seguinte Narizinho e Emilia levantaram-se tarde e almoçaram na cama servidas por criadas abelhas, muito galantes em suas toucas en- tiotadas. Estavam ainda nervosas do grande susto da vespera. O dou¬ tor Caramujo receitou-lhes Biotonico, recommendando passeios pelo campo. Narizinho, depois de tomar o remedio, saiu em companhia de Dona Aranha NAR1ZINHO ARREBITADO 31 e passeou durante uma bôa hora pelos jardins do palacio, emquanto as saúvas experimen¬ tavam vestidos em E m i 1 i a . A meni¬ na pediu noticias do príncipe. Disse¬ ram-lhe que tinha sa- hido de viagem para as fronteiras afim de organizar a defesa contra a invasão de outros monstros. Narizinho sus: pirou de saudades e disse: — Vou confessar-te, amiga aranha, o meu grande segredo. Desde hontem que me sinto apaixonada pelo prín¬ cipe. .. Disse e corou. A Ara¬ nha sorriu-se e respondeu: — E elle muito me¬ rece o amor da menina, por¬ que não existe no mundo in¬ teiro principe mais valoroso. Meu desejo é que se casem porque do contrario o principe é capaz de engraçar-se d’al- 32 A MENINA DO guina barata e o reino soffreria a vergonha de ser governado por uma rainha que volta e meia perde a casca . . . E assim, conversando, caminhavam as duas pelas alamedas muito lim- pinhas e bem arrumadas do jardim. Todas as manhãs as formigas corriam o parque inteiro catando todos os cisquinhos, aparando os gramados e dei¬ xando tudo que era um primor. Havia um lago á beira do qual pararam, mirando-se no espelho liquido. Estavam pensativas ambas: Narizinho com sau¬ dades do príncipe e a Aranha com saudades das sessenta filhas papadas por mestre sapo. Nisto ouviram um gemido a certa distancia. Approximaram-se. Era mestre Agarra que alli gemia com uma harriga enorme estufada de pedrinhas. — Ai de mim, chorava elle, que não posso nem andar!... Menina dos cabcllos de ouro, tenha dó deste pobre sapo c peça ao prín¬ cipe que me per¬ doe !... Narizinho tinha bom cora¬ ção c, compade¬ cida da miséria do infeliz animal, prometteu inter¬ vir em seu favor. — Veja, disse ella á Ara¬ nha, este coita- NARIZ1NH0 ARREBITADO 33 do está pagando o crime de ser dorminhoco. Foi castigado só porque náo poude resistir no somno . .. — É bem feito, respondeu a aranha. Quem o mandou comer as minhas sessenta filhas ? — Então, disse Narizinho, aqui neste reino, um pilhando o outro de geito é zás, para o papo ? — Isso mesmo, minha filha, tal qual entre os homens, que são uns urubus comedores de carne de cadaveres. Narizinho espantou-se muito com a idéa que os bi¬ chos faziam dos homens e quiz desmentir a aranha. Mas não poude porque a aranha a in¬ terrompeu dizendo: — São urubus, e comem cadaveres de animaes. Já tive minha teia num açougue da cidade e todas as noi¬ tes via chegar um car- roçào cheio de cadave¬ res de bois, carneiros e porcos esfolados, que um homem, chamado açougueiro, todo sujo de sangue, vendia aos pedacinhos ás criadas de cesta. sim, 34 A MENINA DO Narizinho calou-se porque era bem verdade aquillo... Nisto soaram tambores e clarins ao longe. Era o principe que volta¬ va á frente duma guarda de grillos. O coração de Narizinho bateu apressado. — Salve! disse o principe logo que viu a menina. Salve a senhora do meu coração ! — Si sou a senhora do teu coração, respondeu ella, quero pedir-te uma graça... — Ordene que será obedecida, disse o principe. — Quero o perdão de mestre Agarra, declarou Narizinho, que alli está gemendo com as cincoenta pedras na barriga. O principe concedeu a graça pedida e ordenou que chamassem o doutor Caramujo para extrahir as pedras. Veiu o doutor com a sua maleta de cirurgião. Examinou o sapo empanturrado, apalpou, ergueu os oculos para a testa e disse: — E preciso abrir-lhe uma “casa” na barriga. — Pois abra, ordenou o principe. O doutor Caramujo ar¬ regaçou as mangas, pôz o aven¬ tal e, ajudado por varias formi¬ gas, deu começo á operação. O sapo foi posto de costas, com a barriga para o ar, e as saúvas, com os afiados ferrões, abriram nella um córte. De¬ pois entraram pela abertura a dentro e foram tirando uma / C"\ NARIZINHO ARREBITADO 35 por uma as cincoenta pedrinhas do castigo. Quando saiu a ultima, mestre Agarra deu um grande suspiro de allivio. Reunidas as pedras e feita lá den¬ tro uma limpeza, o medico tratou de costurar o córte. Para isso uniu as bei¬ radas da “casa” e mandou que as formigas ferrassem alli o ferrão, de modo que cada ferrotoada era um ponto. E assim deu trez pontos, ficando trez formigas agarradas á bar¬ riga do sapo. Depois o me¬ dico tomou uma tesoura e foi guilhotinando as formi¬ gas, de geito que só fi¬ cassem na pelle do sapo as cabeças das coitadas. Mestre Agarra a- gradeceu ao doutor o ser¬ viço e, afim de não per¬ der tempo, foi chamando para o papo os corpos das tres formigas degoladas que esperneavam no chão. Era um grande pande¬ go, este mestre Agarra! Terminada aquella curiosa operação, Narizinho continuou o seu passeio com Dona Aranha, recolhendo-se mais tarde muito satisfeita comsigo por ter salvado a vida a uma pobre creatura de Deos, condemnada a um supplicio doloroso pelo simples facto de ser dorminhoco. — Amiga aranha, disse ella, o príncipe perdoou ao pobre sapo. Perdoas também? — Nunca ! respondeu a aranha. Não posso esquecer dos meus filhos... 36 A MENINA DO A FESTA VENEZIANA N ESSA noite houve uma pequena festa nocturna nos jardins do palacio. Pelas avenidas de areia muito alva perfilavam-se vagalumes immoveis, de olhos arregalados como tochas, servindo de lampiões. No lago, pequenas rãs serenatistas coaxavam, compassadamente, o “Nocturno do Luar”, acompanhadas do cri-cri de milhares de grillinhos. O príncipe deu uma volta pelo jardim em companhia da menina e depois a convidou para um passeio de gondola. Lá se foram, na gondola de madrepérola, remada por doze cavallos marinhos. E vogaram sobre as aguas, embalados pelos formosos versos que uma libelinha poetisa recitava ao som de pequenina harpa tangida por mestre Louva-a-Deus. N ARIZINHO ARREBITADO 37 De volta desse lindo passeio o príncipe convidou-a para voar. — Até aeroplanos ha por aqui? perguntou a menina, espantada. — E mais seguros que os aeroplanos dos homens, vaes ver, respon¬ deu o principe. Apesar do medinho a menina encheu-se de coragem e acceitou o convite. Veiu logo um aerogrillo. Era um gnllão verde, que trazia nas costas a barquinha de vime e na cabeça dois insectos, um besouro e um vagalume. Este vagalume, com os seus grandes olhos phosphorescentes, servia de pharol ao aeroplano e o besouro estava alli para zumbir, fingindo o barulho da he- lice. Narizinho achou muita graça na engenhosa invenção e trepou á barqui¬ nha sem medo. O besouro zumbiu e o aerogrillo disparou como um raio pe¬ los ares afóra. Subiram, subiram, subiram tão alto que a terra de lá parecia uma laranja. Atravessaram nuvens, chegaram muito pertinho da lua, que a me¬ nina teve o gosto de tocar com a pontinha do dedo. E só desceram quando o sol vinha raiando. _ A TRAMA A noite desse d i a estava Narizinho no melhor do somno quando acordou com uma batida na ja- nella. 38 A MENINA DO — Quem é? disse el- la, pulando da cama, tremula de medo. — Boa noite, bei la prin- ceza, respondeu uma voz conhe¬ cida. Tenho um segredo a te revelar. Era o sapo. Narizinho res¬ pirou alliviada e, abrindo a janel- la, perguntou-lhe o que desejava. — Tu me salvaste a vida, respondeu o sapo, e eu quero salvar a tua. Escuta lá. Depois que me tiraram as pe- drinhas da barriga, eu sahi do jardim e fui encorujar-me num canto escuro para sarar da cor- tadura com todo o meu socego, procurando para esse fim uma tóca de pedra. Achei uma tóca a meu geito, e lá estava a cochilar quando á meia noite ouvi rumor de vozes ao lado. Como sou muito curioso, encostei o ouvido a uma fresta e puz-me a escutar. Essa fresta ia ter ao cárcere do Escorpião Negro. A principio me pareceu que o monstro cego falava comsigo mesmo. Mas não era assim. O monstro conversava com o capitão da guarda, cuja voz conheço muito bem. Estavam conspirando contra o pnncipe, e muito tempo levaram combinando os planos duma revolta afim de matar o príncipe e enforcar todos os nobres do reino. Combinaram também que subina ao throno o Escorpião cego, sendo Narizi¬ nho obrigada a casar com elle. NAR1ZINH0 ARREBITADO 39 A menina, mal ouviu aquillo, te- ve um chilique, e mestre Agarra viu-se em apuros para despertal-a com borrifos d’agua fria. Quando Narizinho voltou a si o sapo disse: — Vamos, menina! Nada de fraquezas. É preciso avisar o príncipe emquanto é tempo. Narizinho, com lagrimas nos olhos, agradeceu o aviso do sapo e sahiu correndo em direc¬ ção aos aposentos do prín¬ cipe. Lá bateu na porta, furiosamente. O príncipe. assustado, pulou da ca" ma de espada na mão e vendo em sua frente Na¬ rizinho em camisola, mais espantado ficou ainda. — Depressa, príncipe! Estão conspi¬ rando contra a nossa vi¬ da!... disse ella. E des¬ fiou toda a historia con¬ tada pelo sapo. O prín¬ cipe ouviu tudo em si- 40 A MENINA DO lendo, de cara amarrada. E, depois de meditar uns momentos, disse com grande calma: — Estou acostumado á lucta e sei defender-me. Volta para o teu quarto e dorme socegada que esta noite mesmo castigarei os criminosos. O CASTIGO L OGO ao clarear do dia Narizinho pulou da cama, aíHicta por saber o que tinha acontecido, e soube o seguinte. O príncipe, assim que a menina se recolheu, tomou as armas e dirigiu-se ao corpo da guarda, pé ante pé. E pelo buraco da fechadura descobriu o capitão em conferencia com dois grillos trahidores. — Vocês, dizia elle, vão agora ao palacio, sobem pela janella, entram no quarto do principe, e amarram-no á cama, emquanto eu vou com¬ binar com o Escorpião o resto da festa. Va¬ mos! Toda a caute¬ la é pouca!.. NARIZ1NH0 ARREBITADO 41 Nem bem o prín¬ cipe ouviu aquillo e já voltou correndo para p seu quarto. Enfreabnu a janella por onde os tra- hidores haviam de entrar e collocou em baixo uma gaiola de alçapão, de modo que quem pulasse para dentro cahina prisio¬ neiro. E ficou esperando. Dahi ha pouco ouviu vo¬ zes abafadas do lado de fóra e logo em seguida tres cabeças que assoma¬ vam á janella, muito resabiadas. Os conspiradores pararam um momento á escuta. Depois, certos de que o príncipe dormia a bom dormir, saltaram para dentro e... cahiram presos na gaiola! O príncipe incontinente agarrou um cadeado e trancou bem trancadi- nha a porta da gaiola. Os grillos, de tão assombrados, estavam de bocca aberta sem poder falar. O príncipe não disse nada. Sahiu do quarto e foi acordar um grillo fiel, dizendo-lhe: — Vá procurar o capitão da guarda e diga-lhe baixinho ao ouvido: — “Os tres emissários te mandam dizer que o “negocio está feito, mas que precisam da tua presença no quarto do pnncipe . Diga isso baixinho e suma-se ! O grillo recadeiro lá foi em procura do capitão e encontrou-o ron¬ dando o cárcere do monstro. Approximou-se e repetiu-lhe no ouvido o re¬ cado. O capitão quiz perguntar mais coisas, mas quando abriu a bocca já o mensageiro tinha sumido. 42 A MENINA DO — Muito bem! exclamou elle. O tyranno já está seguro ! Vou lá agora e com as minhas próprias unhas arranco-lhe os fígados. E esfregando as mãos foi correndo para o palacio. Viu a janella do quarto do principe aberta e subiu pela escada que os outros haviam deixado. Chegando ao ul¬ timo degráo pulou para den¬ tro do quarto. Mas antes de alcançar o chào sentiu uma dôr no peito. Ai! ai! gri¬ tou. Era o principie que o tinha varado no ar com a sua terrível espada. — Miserável! Toma, para justo castigo da tua deslealdade! disse o principe cortando-lhe a cabeça com um novo golpe de espada. O corpio do capitão pererecou no tapete uns instantes, ao lado da cabeça, em cujo olhos estava gravado o espanto pelo imprevisto desenlace da conspiração. O principe, embainhando a espada, chamou alguns soldados fieis para que levassem dalh a gaiola com os tres trahidores. — Ponham dentro, junto com estes trahidores, o Escorpião, amarrem em cima da gaiola uma grande piedra e lancem-na ao lago. Os guardas assim fizeram e o monstro, em vez de casar com Narizi- nho e subir a um throno, foi morrer afogado no fundo da lagoa... — Bem feito! disse a menina quando soube do castigo. Assim mor¬ ra toda a raça dos trahidores! E foi correndo dar parabéns ao principie vic- torioso, que a abraçou e a beijou na testa, commovido. NARIZ1NHO ARREBITADO 43 — Salvaste o meu reino. Em recompensa vaes receber e coròa de princeza e sentar-te no throno, ao meu lado, como a mais adorada das espo¬ sas, disse pondo-lhe no dedo o annel de noiva. Narizinho sentiu uma alegria immensa e, toda perturbada, ia responder, quando uma voz conhecida a despertou: — Narizinho, vovó está chamando! A menina sentou-se na relva, esfregou os olhos, viu o ribeirão a des- lisar como sempre e lá na porteira a tia velha de lenço amarrado na cabeça. Que pena! Tudo aquillo nào passara dum lindo sonho... jrTupc* * UL, MONTEIRO LOBATO E O DIREITO DE SONHAR Francisco de Assis Barbosa íi MONTEIRO LOBATO E O DIREITO DE SONHAR Monteiro Lobato começou a se interessar por lite¬ ratura infantil por volta de 1912, segundo Leo¬ nardo Arroyo, no seu excelente Literatura Brasi¬ leira Infantil (1932). Nas cartas a Godofredo Ran¬ gel, comunica-lhe a idéia que começa a germinar: escrever um romance para crianças. Pensava a princípio em transformar o mito popular de Pedro Malasartes numa réplica nacional do Barão de Münchhausen. Na verdade, tinha vários outros projetos sem se fixar em nenhum. Um deles era por exemplo “vestir à nacional as velhas fábulas de Ésopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisas para crianças”. E confes¬ sava ao amigo o quanto se impressionava da aten¬ ção curiosa com que os seus filhos ouviam as fᬠbulas tal como eram narradas pela mãe. No en¬ tanto, ainda estava em dúvida por onde começar. Em 1917, aparece voltado para uma nova temᬠtica, que o fascinava: o saci-pererê. Perguntava então a Godofredo Rangel: como seria o saci em Minas Gerais? “Minha idéia, dizia ele, é de que se trata de um molecote pretinho, duma perna só, pito aceso na boca e gorro vermelho”. Dessa preo¬ cupação, que passa a dominá-lo, surge a pesquisa sobre o saci, que publica, sem assinatura, na edição vespertina de O Estado de São Paulo , O Estadinho , e depois em livro: O Saci-Pererê — resultado de um inquérito (191 S> 1 . Foi do sucesso da publicação desse volume de 291 páginas, pago do próprio bolso, que nasceu o editor. A primeira edição foi de 5.300 exemplares, conta o seu biógrafo Edgard Cavalheiro: “Ficou "Só houve um tema nos seus livros: o Brasil (...). Brasil sem regionalismo, o Brasil vasto e quase impossível de ideais e interesses comuns. Em que nenhuma comunidade se poderia isolar dentro de suas fronteiras, em que o Norte e São Paulo, gaú¬ chos e baianos poderiam participar dos mesmos ideais e lutar por eles. Brasil que ainda pode ser uma unidade livre e unida, forte e soberana. Toda a sua vida foi uma batalha por esse ideal". Orígenes Lessa surpreso com a repercussão alcançada. Nunca supusera que fosse tão fácil imprimir e vender um livro. E não imaginara que uma coisa feita tão despretensiosamente alcançasse tanto êxito” 2 . É quando Lobato começa a considerar seriamente a possibilidade de tornar-se um editor. Ocorre ao mesmo tempo o convite de Julio Mesquita e Al¬ fredo Pujol para assumir a direção da Revista do Brasil , que vinha sendo publicada desde 1916 pelo grupo do grande jornal. A Primeira Guerra Mun¬ dial como que alertara os intelectuais para o de¬ bate dos problemas nacionais. Julio Mesquita, em editorial publicado n‘0 Estado de São Paulo , ex¬ pôs o programa do novo periódico: “O que há por detrás do título desta Revista e dos nomes que a patrocinam é uma coisa simples e imensa: o desejo, a deliberação, a vontade firme de constituir um núcleo de propaganda nacionalista. Ainda não somos uma nação que se conheça, que se estime, que se baste, ou, com mais acerto, somos uma nação que ainda não teve o ânimo de romper sozi¬ nha para a frente numa projeção vigorosa e fulgu¬ rante da sua personalidade. Vivemos desde que existimos como nação, quer no Império quer na República, sob a tutela direta ou indireta, se não política ao menos moral do estrangeiro. Pensamos pela cabeça do estrangeiro, vestimo-nos pelo al¬ faiate estrangeiro, comemos pela cozinha estran¬ geira e, para coroar essa obra de servilismo cole¬ tivo, calamos, em nossa pátria, muitas vezes, den¬ tro dos nossos lares, a língua materna, para falar a língua do estrangeiro!”. Mas advertia Julio Mes¬ quita, a respeito da Revista do Brasil : “O seu MONTEIRO LOBATO 48 nacionalismo não é porém e não será nunca uma forma de hostilidade ao estrangeiro. Não quere¬ mos isolar o Brasil da humanidade, o que seria um disparate, nem podemos negar a dívida de civili¬ zação que nos prende ao estrangeiro” 3 . Nacionalista mas não chauvinista , a Revista do Brasil congregará rapidamente a nata da intelli- gentzia de São Paulo e do Rio de Janeiro, diria mesmo de todos os Estados. Nos primeiros nú¬ meros formam entre os seus colaboradores alguns dos escritores mais prestigiosos do país. o cearense Capistrano de Abreu, o pernambucano Oliveira Lima, os cariocas Roquette-Pinto e João Kopke, o paranaense Rocha Pombo, o baiano Teodoro Sampaio, o mineiro Afonso Arinos, sem esquecer o jovem Alceu Amoroso Lima, que ainda não havia adotado o pseudônimo que o tornaria famoso: Tristào de Athayde. A esse conjunto de escritores da mais alta categoria, poderíamos acrescentar os nomes de Pedro Lessa e Pandiá Calógeras, Olavo Bilac e Luis Pereira Barreto, Artur Neiva e Plínio Barreto. Mesmo assim, receio que a lista não esteja completa 4 . A Primeira Guerra Mundial, volto a insistir nesse ponto, viera, de certo modo, despertar da aliena¬ ção em que viviam as classes cultas, pela voz de José Veríssimo, na série de artigos que precedeu a organização da Liga Pelos Aliados, logo no início do conflito. A Liga de Defesa Nacional antecede porém o movimento liderado por Veríssimo e que, após a sua morte, naquele mesmo ano de 1916, teria como continuadores Rui Barbosa, Sá Viana e Miguel Calmon. Este seria também um dos arau¬ tos da campanha pelo serviço militar obrigatório, através da Liga de Defesa Nacional, ao lado de Pedro Lessa, da qual Olavo Bilac foi o grande propagandista, em discursos que inflamaram os estudantes no Rio de Janeiro e em São Paulo, em Porto Alegre, Curitiba, Santos e Belo Horizonte. Outra campanha paralela, a do saneamento, ou sanitarista, defendia a necessidade da luta contra as enfermidades endêmicas, como a ancilosto¬ míase, a varíola e a doença de Chagas, que imor¬ talizou Carlos Chagas, ao grito de Miguel Pereira: o Brasil é um vasto hospital 5 . Dir-se-ia que o litoral novamente se voltava para a imensidão do interior esquecido pelos governos, do sertanejo abandonado, que em 1902 tinha sido lembrado pelo livro vingador de Euclides da Cu¬ nha, Os Sertões. Desde os primeiros anos da Repú¬ blica, Rondon havia iniciado a sua obra gigantesca de penetração dos sertões reconhecida e valorizada pelo Presidente Afonso Pena e atraíra para a sua campanha intelectuais e cientistas e até um antigo presidente dos Estados Unidos, Teodoro Roose- velt. Ê de 1916 o livro de um antropólogo de 32 anos, Roquette-Pinto, Rondônia , notas de uma expedição, por assim dizer uma suite de Os Ser¬ tões , em favor agora do indígena, em desamparo talvez maior que o do caboclo das caatingas do Nordeste 6 . Havia pois razões para lutar e ter espe¬ ranças. Foi nesse clima que se criava contra o ma¬ rasmo, que se seguiu à decepção da derrota de Rui Barbosa nas eleições de 1910, que Monteiro Lo¬ bato aceitou o convite de Julio Mesquita e resolveu adquirir a Revista do Brasil. “Em lugar da di¬ reção, propõe a compra da empresa. A experiência com a edição de Saci-Per erê fora animadora. Ad¬ quirindo a Revista do Brasil poderá torná-la a base editorial que há tempos vem acalentando. O ne¬ gócio é definitivamente resolvido em maio de 1918; por dez contos de réis uma assembléia extraordi¬ nária transfere a propriedade do mensário a Mon¬ teiro Lobato” 7 . Somente em julho de 1918, aos 36 anos de idade, é que Monteiro Lobato surge em livro, com uma brochura intitulada Urupês 8 . O acolhimento un⬠nime do público e da crítica para o escritor que estreava consagrado veio acompanhado de um espetacular êxito comercial do editor. O livro já estava em 3? edição quando a ele se refere Rui Barbosa no seu segundo discurso da campanha presidencial de 1919, o discurso pronunciado no Teatro Lírico, sobre a questão social. A figura do Jeca-Tatu logo conhecida ganhou popularidade. O pronunciamento de Rui Barbosa foi um pé-de- vento que faz esgotar rapidamente a terceira edi¬ ção, diz Lobato ao amigo Godofredo Rangel: “Es¬ tou apressando a quarta edição, que irá do 8? ao 12? milheiro. Tiro-a, agora, aos quatro mil. E isso antes de um ano, hein!” 9 . É um milagre, dirá mais tarde Gilberto Freyre, ao escrever sobre apareci¬ mento de Urupês. O personagem criado por Monteiro Lobato era tirado da vida real. No Estado mais rico da fede¬ ração, o trabalhador rural vegetava em condições subumanas, enquanto prosperava a lavoura do café gerando a riqueza em torno da qual se movi- E O DIREITO DE SONHAR 49 mentava a política brasileira, decidia-se a sorte dos governos, distribuíam-se os altos cargos do Minis¬ tério da Fazenda e do Banco do Brasil. O pobre Jeca-Tatu foi tema de polêmicas patrioteiras nas tribunas da Câmara e do Senado. O deputado pelo Ceará Ildefonso Albano deblaterou contra a dis¬ torção paulista e apresentou como o oposto do Jeca-Tatu o trabalhador nordestino simbolizado em Mané Chique-Chique, o bravo "domador do deserto" e intrépido ‘‘desbravador da Amazônia". O Jeca-Tatu tinha sangue degenerado mas em Chique-Chique concentravam-se as qualidades viris dos antigos Tabajaras, Jenipapos, Cariris, Pitiguaras e Apinajés. Também no Sul houve quem reagisse contra o personagem sinistro de Lobato. Rocha Pombo falava com entusiasmo do Jeca-Leão 10 . Essa onda patrioteira coincide com a candidatura de um homem do Nordeste à presidência da Repú¬ blica. Epitácio Pessoa, que representava o Brasil na Conferência da Paz, era o nome escolhido pelas oligarquias para a sucessão de Rodrigues_ Alves, elevado pela segunda vez ao Palácio das Águias, morto antes da sua nova investidura no poder. Depois do malogro do governo do Marechal Her¬ mes da Fonseca, a classe política restabelecera o pacto do café-com-leite, com o rodízio dos presi¬ dentes mineiros e paulistas. Primeiro Venceslau Brás, em seguida Rodrigues Alves. Mas o homem de São Paulo, pontífice máximo do PRP, que vol¬ tara a governar o Estado ainda coberto das glórias do seu quatriênio, envelhecido e doente, parecia não ter mais condições para suceder Venceslau Brás quando o escolheram para a segunda presi¬ dência. A 16 de janeiro de 1919, sem ter podido assumir o governo, Rodrigues Alves faleceu. Rui Barbosa declinara de ser o delegado do Brasil à Conferência da Paz. O seu nome é lembrado mais uma vez. As oligarquias não o aceitam. Mes¬ mo assim o pacto entre Minas e São Paulo se cumpre, através de um candidato do Norte, Epitᬠcio Pessoa, o mesmo que se encontrava em Ver¬ salhes, como delegado do Brasil, na conferência que decidirá a sorte da Alemanha vencida e tra¬ çará os novos rumos da política internacional. Mas Rui Barbosa aceita o desafio. "Às vezes, luta-se para perder", dissera. Vem agora com uma nova bandeira: a questão social, até então menospre¬ zada pela situação política, um tabu de que era proibido falar. O mais ilustre dos seus biógrafos retraça numa síntese o quadro da situação política e a posição do estadista, ainda na plenitude dos seus recursos oratórios e da capacidade de lutar até o fim, mesmo para uma causa perdida. É Luis Viana Filho quem escreve: "Não perdera sequer aquele tom profético, que tanto incomodava os adversários. Agora prevê a nação rebelando-se, mais dia menos dia, contra a corrupção dos cos¬ tumes políticos, que tiraram ao país o direito de governar-se por si mesmo. Será a desordem, a anarquia, a reação desordenada contra os vícios de uma época. Ê possível que ele não veja mais desen¬ cadear-se a avalanche revolucionária. ‘Mas, diz no curso da campanha, por um que se vai, milhares de outros aí se acham para embocar os clarins de alvorada. Não deixem expirar os sons... Também a questão social, ainda quase ignorada no Brasil por esse tempo constituiu o tema de um dos dis¬ cursos da propaganda. Defendendo um sistema de leis ‘a cuja sombra o capital não tenha meios para abusar do trabalho*, aventura as questões refe¬ rentes à saúde, habitação e seguro dos operários e não se esquecera da situação das mulheres operᬠrias, para as quais pedia amparo no período da gravidez e dos menores, cuja idade e salário míni¬ mos julgava caber à lei estipular" 11 . Falava para um país de pouco mais de 30 milhões de habitantes, onde o índice de mortalidade infan¬ til era sem falsa retórica terrivelmente alarmante e desolador. Em 1920, com as deficiências reconhe¬ cidas na coleta de dados pela Diretoria Geral de Estatística, foram registradas na região Norte 2.119 nascimentos e 27.390 mortes, num total de mais de 12 milhões de habitantes. Na região Sul, foram registrados 229.195 nascimentos e 101.367 mortes. "Levando a sério esses dados, — conclui Roquette-Pinto ao examinar essas cifras — esta¬ ríamos desaparecendo!’* E aponta o autor de Ron¬ dônia o grave problema das migrações internas, sobretudo o caso dos sertanejos, que as secas impelem a procurar as terras do Sul, paradoxo trágico que denuncia a falta de organização social e deve ser denunciada como cheia de complicações futuras. "A gente que emigra do Norte é a mesma que há uns cinqüenta anos começou a conquista da Hiléia Amazônica. Ê sóbria, resistente, dedicada, corajosa. Mas do ponto de vista cultural não está em fase, quanto ao trabalho agrícola, com as populações das zonas meridionais. É uma verdade MONTEIRO LOBATO 50 que ninguém discute. A defasagem social explica o paradoxo" 12 . Vale lembrar aqui a denúncia de um outro escritor citadino, mas que vivia na área suburbana do Rio de Janeiro, sempre esquecida e maltratada nas suntuosas reformas urbanas que se ensaiaram, nas duas primeiras décadas do século, os famosos Melhoramentos, que na verdade procuraram sem¬ pre isolar e esconder as zonas da pobreza e até da miséria. A situação do interior, afirmava Lima Barreto, não é diferente: "O pária agrícola (cha¬ mam lá colono ou caboclo), quando se estabelece nas suas propriedades, tem todas as promessas e garantias verbais. Constrói o seu rancho, que é uma cabana de taipa coberta com o que nós cha¬ mamos de sapê, e começa a trabalhar para o barão desta ou daquela maneira (...). Mas posso asse¬ verar que o trabalho agrícola — esteja o café em alta, esteja na baixa, suba o açúcar, desça o açúcar — há trinta anos ganha o mesmo salário", salário, já se vê, irrisório, e assim mesmo a seco, sem direito à alimentação. E Lima Barreto acrescen¬ tava: "A Terra vive na pobreza; os latifúndios abandonados e indivisos; a população vive sugada, esfomeada, maltrapilha,- macilenta, amarela, para que, na sua capital, algumas centenas de parvos, com títulos altissonantes, doutores disso e daquilo, gozem vencimentos, subsídios, dupli¬ cados e triplicados, afora rendimentos que vêm de outra e qualquer origem, empregando um grande palavreado de quem vai fazer milagres" 13 . Ê força reconhecer que a situação não mudou muito. Em nossos dias, as condições sociais das classes assalariadas pouco progrediram. Mas pelo menos a nação começou a reagir, com o final da Primeira Guerra Mundial. O livro de Monteiro Lobato representa um papel importante nesse con¬ texto. Urupês veio alertar mais uma vez o país. E encontrou no verbo de Rui Barbosa, no crepús¬ culo da sua vida de lutador sempre vencido, mas sempre disposto a retomar a sua constante batalha contra a corrupção, a incompetência e por fim contra a injustiça social, vindo ao encontro das reivindicações do proletariado, não só o das ci¬ dades, como o do interior. Monteiro Lobato, na juventude, ficara ao lado de Rui Barbosa, na campanha civilista, como apoiará a campanha de 1919, sempre ao lado de Rui, agora contra os oligarcas que defendem a candidatura de Epitácio Pessoa. "Do ponto de vista democrático, assinalou João Mangabeira, essa campanha é mais fulgu¬ rante que a civilista" 14 . O certo é que seis meses após o lançamento de Urupês , venderam-se 10.000 exemplares do pri¬ meiro livro de Monteiro Lobato. E hoje — dizia Edgard Cavalheiro em 1955 — "não é fácil uma estatística precisa a fim de sabermos quantos mi¬ lhares de exemplares circulam por aí" 15 . Mas Urupês não interrompeu a sua trajetória que se prolonga até os nossos dias, mesmo incorporado aos volumes de contos leves e pesados, na classi¬ ficação do próprio autor, ao organizar as suas Obras Completas, edição da Brasiliense, de São Paulo. Está longe de perder a atualidade e se incluem entre os sucessos de livraria, na termino¬ logia peculiar a esse tipo de negócios. Mais do que isso: está entre os nossos clássicos. Oswald de Andrade, num daqueles rasgos tipicamente oswal- dianos, dá a Urupês posição singular na literatura brasileira, é ele o verdadeiro Marco Zero de Os¬ wald de Andrade", ou seja, como que cedendo a prioridade de ter sido o iniciador do movimento renovador. "Não venho retificar, e sim esclare¬ cer", acrescenta Oswald de Andrade: "De fato, Urupês é anterior ao Pau Brasil e à obra de Gilb- berto Freyre" 16 . Poderia completar a retificação: Urupês veio antes de Macunaíma e dos romances sociais do Nordeste. Na época, Alceu Amoroso Lima falou na "fulminante popularidade" do es¬ critor. E João Ribeiro chamou a Urupês "nossa magna-carta, documento da nossa independência cultural" * Monteiro Lobato destoava dos escritores da sua geração — todos ou quase todos anatolianos — ele próprio seria rotulado equivocadamente como um anatoliano — porque cedo tornou-se afeiçoado da literatura inglesa e norte-americana. Em 1907 lia e elogiava Mark Twain, uma das mais fortes influências que assimilou, antes mesmo de dedi¬ car-se à literatura infantil, como o demonstrou em ensaio realmente notável Cassiano Nunes, num trabalho de literatura comparada, que faz lembrar os melhores momentos de um Augusto Meyer e um Eugênio Gomes. No período do aprendizado, é visível a marca de Camilo Castelo Branco, mas acabou se curando desse sarampo literário, mo¬ delo de tantos escritores brasileiros da nossa belle époque , tal como o fora Fialho de Almeida, para os jornalistas que se armavam cavaleiros e se exer¬ citavam nos folhetins panfletários. Pode-se dizer 57 E O DIREITO DE SONHAR que, além de Mark Twain, Monteiro Lobato rece¬ beria o grande impacto na sua formação quando descobriu Machado de Assis. Em 1906, escrevia a Rangel: “Tenho lido muito em inglês — viagens. Enjoei-me do francês” 18 . Quanto a Machado de Assis, dirá mais tarde: “Não conheço melhor mo¬ delo. Camilo ainda me choca, é muito bruto, muito português de Portugal, e nós somos daqui. Machado de Assis é o clássico moderno mais per¬ feito e artista que possamos conceber. Que pro¬ priedade! Que simplicidade! Simplicidade não de simplório, mas do maior dos sabichões. Ele gasta as suas palavras como um nobre de raça fina gasta a sua fortuna e jamais como o parvenu, o upstart , que começou vendeiro da esquina e acaba comprando um título de barão do Papa” 19 . Era assim Monteiro Lobato. Daí o seu pragma¬ tismo sonhador, ao mesmo tempo homem de ne¬ gócios e escritor. Absorvido pelos trabalhos da sua editora, que em março de 1919 foi registrada com a marca Monteiro Lobato & Cia., nem por isso deixaria Lobato de tomar o seu cafezinho no Gua¬ rani, ponto de encontro dos intelectuais de São Paulo, ou de empenhar-se, mesmo no escritório, em renhidas partidas de xadrez com José Maria de Toledo Malta. O escritor que se escondia sob o pseudônimo de Hilário Tácito havia publicado um dos mais interessantes romances, retratando a vida mundana e política de São Paulo, Madame Pommery , e mais tarde reunirá em três volumes de excelente tradução uma seleta dos Ensaios de Montaigne 20 . Pois foi entre dois lances de uma dessas partidas de xadrez que Malta contou a Lobato a história de um peixinho que por haver passado algum tempo fora d'água 'desaprendera de nadar', e de volta ao rio se afogara. Foi um es¬ talo. Diz Lobato que naquele dia perdera a partida de xadrez, “talvez menos pela perícia do jogo do Malta do que por causa do peixinho. O tal pei¬ xinho pusera-se a nadar em minha imaginação; e quando Malta saiu, fui para a mesa e escrevi a ‘História do Peixinho que Morreu Afogado' —- coisa curta. Do tamanho do peixinho. Publiquei isso logo depois, não sei onde. Depois veio-me a idéia de dar maior desenvolvimento à história, e ao fazê-lo acudiram-me cenas da roça, onde eu havia passado a minha meninice” 21 . Nasceu assim a primeira versão de A Menina do Narizinho Arrebitado t que logo se publicou com as maravilhosas ilustrações de Voltolino, eliminadas em edições futuras. Que teria acontecido com Vol¬ tolino? 22 A tiragem é de 60.000 exemplares, se¬ gundo os arquivos da gráfica 23 , retificando Ed- gard Cavalheiro, que registra 50.000, assim mes¬ mo coisa verdadeiramente fantástica não só para aqueles tempos, mas até mesmo para os nossos dias. Pois bem. A tiragem monstro, verdadeira loucura editorial, esgotou-se em oito ou nove me¬ ses. Lobato reservaria 500 exemplares para distri¬ buição, como propaganda, para todos os grupos e escolas públicas do Estado. Esse golpe do editor, que ainda não ocorrera a nenhum outro por consi- derá-lo destituído de espírito comercial, inútil e dispendiosa quixotada, acabou dando certo. Edgard Cavalheiro, na biografia tantas vezes ci¬ tada, conta a bela aventura, segundo depoimento do próprio Lobato. Narizinho nascera de estrela na testa. Um dia, o Dr. Washington Luis, presidente de São Paulo, saiu a percorrer os grupos escolares da capital em companhia de Alarico Silveira, en¬ tão Secretário do Interior. Notou o presidente que em todas as escolas havia um livrinho de leitura, extraprograma, muito sujinho e surrado, que era o preferido da criançada. "Se este livro anda assim tão escangalhado em tantos Grupos, observa o Dr. Washington Luis, é sinal de que as crianças gos¬ tam dele. Indague de quem é e faça uma compra grande, para usar em todas as escolas”. No dia seguinte Alarico Silveira telefonou ao editor, pe¬ dindo-lhe que passasse na Secretaria. Contou-lhe então das visitas da véspera e da opinião do Presi¬ dente, e concluiu: “Quantos exemplares desse li¬ vro você pode vender ao governo?” Uma per¬ gunta, assim à queima-roupa, conta Lobato, a um editor que está atrapalhado com a maior vasante nasal da sua vida, é coisa de estontear. Pisquei sete vezes e respondi: “Quantos quiser, Alarico. Temos narizes a dar com pau. Posso fornecer cinco mil, dez mil, trinta mil...” Alarico Silveira pensou que fosse brincadeira e, para pilhar-me, disse: “Pois manda trinta mil exemplares ao almoxarifado”. Veio nesse momento o café, mudamos de assunto e logo depois saí. Quando no dia seguinte o almo¬ xarifado recebeu os trinta mil narizes, houve alarme por lá. Telefonaram ao Secretário, o qual também me telefonou. “Lobato, então era verdade a história dos trinta mil?” — "Claro, Alarico. Onde se viu blefar para cima de um Secretário como você?” E ele: "Pois só agora depois da tele- 52 MONTEIRO LOBATO fonada do almoxarifado é que estou acreditan¬ do..."*. Logo em seguida, aparecem O Saci e Fábulas , na verdade os volumes que estavam planejados antes do estouro de Narizinho. Leonardo Arroyo consi¬ dera O Saci "um dos mais belos trabalhos da lite¬ ratura infantil brasileira". Esses primeiros volu¬ mes continuam ainda sendo ilustrados por Volto- lino. Ao mesmo tempo, publica Fábulas. "Tomei de La Fontaine, — explica Monteiro Lobato, o enredo e vesti-o à minha moda, ao sabor do meu capricho, crente como sou de que o capricho é o melhor dos figurinos. A mim me parecem boas e bem ajustadas até o fim — mas a coruja sempre acha lindos os filhotes" 25 . Estava de fato entusias¬ mado com o sucesso dos livros infantis. Mesmo assim ainda tinha dúvidas se havia encontrado o caminho certo. E consultava o amigo Godofredo Rangel, pedindo todo o rigor no julgamento. Que¬ ria a sua "impressão de professor acostumado a lidar com crianças. Experimente nalgumas, a ver se se interessam. Só procuro isso: que interesse as crianças" 26 . No entanto, é evidente que Lobato encontrara a sua verdadeira vocação de escritor, mais ainda que na literatura dita para adultos, um escritor para crianças, que se ia realizar em pleni¬ tude. Mais ainda do que em todas as atividades em que se havia empenhado até aquela altura da vida, ou mesmo depois: estudante de direito, promotor público, fazendeiro, jornalista, editor ou nas expe¬ riências futuras como empresário, organizador de companhias de siderurgia ou de petróleo. Disse acertadamente Leonardo Arroyo: "Resol¬ vera entrar pelo caminho certo: literatura para crianças, e parece que Lobato já então começa a convencer-se disso: "De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para as crian¬ ças, o livro é todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do Robinson Crusoé , do Laemmert (refere-se, é claro, ao editor brasileiro da obra- prima de Daniel Defoe, Eduardo Laemmert, tra¬ duzida por Carlos Jansen) 27 . Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robin¬ son e no Os Filhos do Capitão Graní” 2 * . Ê preciso não esquecer que Lobato estava à frente de Monteiro Lobato & Cia., uma editora que começara a crescer. A indústria de livros, que publicava edições limitadas a 400 e 500 exem¬ plares, ensaiara com Lobato tiragens jamais alcan¬ çadas. como a de UrupêstA Menina do Narizinho Arrebitado. Em fins de 1925, já circulam 250 mil exemplares das obras de Monteiro Lobato. O edi¬ tor já tinha publicado até então mais de 500 tí¬ tulos de autores brasileiros, em apenas sete anos, desde a aquisição da Revista do Brasil em 1917. A empresa tem agora novos sócios, Paulo Prado e José Carlos de Macedo Soares. O primeiro assume a direção da Revista do Brasil. O segundo torna-se presidente da companhia editora, que se instala afinal na Rua Brigadeiro Machado, no Brás, com oficinas próprias, em prédio de 5.000 m 2 de área coberta. Todo cheio de máquinas. "Gozamos de um prestígio formidável que cada dia mais se di¬ funde. As nossas edições são vendidas com grande sucesso por todos os recantos do país e tal é o nosso conceito que o público compra os nossos livros, muitos de autores desconhecidos, só por saber que é edição nossa". Mas, diz ele, "agora devemos mi¬ lhares de contos. Há lá um mundo de linotipos e prelos e o diabo, adquiridos a prazo. O prédio é uma beleza — é um monstro. Adquirido também — e a pagar-se em prestações mensais de contos e contos" 29 . Octalles Marcondes Ferreira, o Sancho Pança desse Dom Quixote, fiel escudeiro, acompanhava atento todas as loucuras do cavaleiro do Vale do Paraíba. Era o seu braço direito. Entrara para a editora com 14 anos. Com o tempo, trabalhava como simples auxiliar de escritório, passou depois a chefiar a contabilidade e por fim passou a dirigir toda a produção gráfica da empresa. Estava a par de todo o negócio, que ia de vento em popa, mas aconteceu um fato inesperado. Em julho de 1924, irrompeu em São Paulo a revolução chefiada pelo General Isidoro Dias Lopes, no momento da mu¬ dança do governo do Estado. Saía Washington Luis e entrava Carlos de Campos. São Paulo já era então uma cidade de 700.000 habitantes, com uma grande concentração operária. O café estava em crise. A população vivia inquieta, na expectativa de novas greves. Com a rebelião dos quartéis e a descida dos soldados, São Paulo foi ocupada em algumas horas. Vários pontos estratégicos, o corpo de bombeiros, delegacias de polícia e os Telégra¬ fos, estavam em poder dos revoltosos. O governo teve que deixar o Palácio dos Campos Elíseos, abandonou a cidade e instalou-se em Guaiaúna, na periferia da capital que estava sob constante E O DIREITO DE SONHAR 53 bombardeio. José Carlos de Macedo Soares, presi¬ dente da Associação Comercial e presidente tam¬ bém de Monteiro Lobato & Cia. tratava de orga¬ nizar a defesa civil, prevenindo o saque e a desor¬ dem, negociando com os rebeldes. Após quase vinte dias de sítio, o primeiro bombardeio aéreo das forças legalistas. Logo em seguida, um comu¬ nicado do Ministério da Guerra pedindo à popu¬ lação que evacuasse a cidade para que as forças legalistas pudessem agir livremente contra os re¬ beldes. Macedo Soares propõe a anistia aos revol¬ tosos de 1922 e 1924. O General Isidoro estava disposto a negociar a paz, desde que houvesse uma trégua de 48 horas. Só a 27 de julho, os revoltosos se retiraram. A revolta deixara um saldo de 500 mortos 30 . A cidade ainda não havia retomado o ritmo normal quando o governo federal decretou a moratória, que determinou a reabertura dos bancos, com a ampliação dos prazos para o pagamento das dí¬ vidas. José Carlos de Macedo Soares, que tivera participação decisiva na retirada dos rebeldes e nos esforços para a normalização da vida da ci¬ dade, acabou sendo preso e processado pelo go¬ verno federal 31 . Naquele momento, com a prisão do seu presidente, a suspensão das operações de redescontos do Banco do Brasil, o pânico instalou- se no sistema comercial. Tudo se agravara com a longa estiagem ocorrida em São Paulo, pouco antes do movimento revolucionário, que obrigara a Light and Power a cortar de dois terços o forne¬ cimento de energia elétrica. A editora permane¬ cera sem produzir, durante meses, com toda uma enorme maquinaria, movida a eletricidade, para¬ lisada, à espera que chovesse para encher os ma¬ nanciais. Em junho de 1925, a situação não melho¬ rava. As perspectivas eram pessimistas. Só em no¬ vembro, com a volta das águas, a Light teria condições para suspender o racionamento. Os tí¬ tulos vencendo, os credores apertando. Faltou a Lobato — segundo o fiel Octalles Marcondes Fer¬ reira — um pouco de calma. A situação, embora dramática, poderia com paciência ser superada. Encontrava-se em viagem pelo sul, quando soube que o sócio e companheiro recorreu à falência, como única saída para a crise. Monteiro Lobato dirige uma circular aos acionis¬ tas, que faz lembrar a exposição aos credores do Barão de Mauá. Saíra pobre da empreitada. De¬ cide transferir-se para o Rio de Janeiro, depois de vender em leilão os seus bens. Além dos negócios de livros, mantinha com Octalles Marcondes Fer¬ reira pequena casa de loterias, à Rua Direita. Da venda, apuraram 100 contos de réis. E assim se habilitaram ao espólio da massa falida, avaliada em cerca de dois mil contos. Por 300 e tantos, fecham o negócio. Entram com os 800 contos, deixando o restante para ser pago em prestações mensais. Foi assim dos escombros da Gráfica Edi¬ tora Monteiro Lobato que nasceu a Companhia Editora Nacional, a maior editora da época. Afas¬ tando-se de qualquer atividade comercial, vive algum tempo no Rio de Janeiro, até ser nomeado pelo Presidente Washington Luis adido comercial junto ao Consulado do Brasil em Nova York, de onde só retorna em 1931 32 . Vem com novas idéias, em tomo da siderurgia e do petróleo. -Empenha-se simultaneamente nas duas campanhas. Organiza novas empresas, mas a sua luta terá um final patético em 1941, com a sua prisão. Ele que pouco antes havia recusado o posto de Ministro da Propaganda, a convite do ditador que havia instaurado o Estado Novo. Positiva¬ mente, esta não seria uma história para crianças e sim um dos capítulos de uma longa e intermitente novela de violência e terror, somada aos muitos atentados contra os direitos humanos e a liberdade de expressão durante o regime de exceção, entre 1937 e 1945. Para Lobato, é o tempo em que se acumulam as desgraças que caem sobre a sua vida particular. Além dos obstáculos que se lhe ante¬ põem aos projetos mirabolantes do ferro e do petróleo, assinalam-se a morte do seu filho Gui¬ lherme, aos 25 anos incompletos (1937), o suicídio do seu cunhado Heitor de Moraes, amigo dos mais queridos (1937), a morte de mais um filho, Ed- gard, aos 32 anos (1943). É convicção de Cassiano Nunes, professor da Uni¬ versidade de Brasília, e que se empenha em levan¬ tar a correspondência de Lobato, é convicção desse ilustre professor e infatigável trabalhador, que Monteiro Lobato foi salvo do desespero pelo tra¬ balho. “Trabalho tantas vezes áspero, esgotante, como foi o que realizou na qualidade de tradutor. A esse labor, aliás, entregou-se como a uma droga, nos dias de desespero, esse pai infortunado que perdeu os seus dois filhos homens, quando se encontravam em plena juventude. O seu amor ao trabalho pouco tinha de virtude, se considerarmos MONTEIRO LOBATO 54 a sua falta de premeditação, de racionalização. Lobato era assim constitucionalmente. A sua ânsia de criação tornava-o naturalmente honesto, por¬ que o imunizava da ambição, da avareza, da com¬ petição, da vaidade”. Cassiano Nunes insiste na necessidade de publicar as cartas, como as troca¬ das por Artur Neiva, por exemplo, acentuando: “Lobato, espírito positivo, parece, no auge das suas campanhas, não se ter apercebido das virtua¬ lidades maliciosas do capitalismo, em que só ten¬ dia a ver o aspecto fecundo, fomentador da riqueza geral. Curiosamente, em sua obra infantil, deixou, nos últimos anos, marcada a sua inquietação pelas ambigüidades do sistema. Mas isto o fez com a maior decência e adequação. Não se trata de um ‘comunismo para crianças*, conforme o acusou, com sensacionalismo, certo padre baiano” 33 . À objurgatória do sacerdote baiano, que parece querer reviver as torpezas policiais do Estado Novo, incinerando os livros de Lobato, de Fer¬ nando de Azevedo, Anísio Teixeira e tantos outros portadores de idéias relativas à escola nova, a par da proibição das obras de Lobato em todos os grupos escolares e bibliotecas infantis, contrapõe- se a lição da educadora norte-americana Rose Lee Hayden, na tese que escreveu sobre a literatura infantil de Monteiro Lobato, sintetizando-a como “uma pedagogia para o progresso”, através da fantasia dinâmica do Sítio do Picapau Amarelo, a mensagem constante da atuação fecunda, cons¬ trutiva. Lobato doutrinava às crianças, sim, mas não o comunismo ou o impatriotismo, conforme a denúncia do padre Sales Brasil. Lobato pregava a redenção do Brasil pelo trabalho e pela ordem, pois sem ordem não se pode construir nada. Mas ordem não se confunde com opressão. A desco¬ berta do colosso norte-americano e o seu triunfo embriagou o brasileiro complexado. E Lobato pas¬ sou a sonhar que o Brasil se transformasse nos Estados Unidos da América do Sul" 34 . Na verdade, o comunismo de Lobato nunca exis¬ tiu, como escreveu Cassiano Nunes, citando a seu favor Wilson Martins, no caso insuspeitíssimo. O autor da História da Inteligência Brasileira nunca pôde aceitar como Monteiro Lobato e Aní¬ sio Teixeira, americanófilos até o cerne, tenham passado por comunistas no Brasil, o que só se explica pelo caráter estranho do reacionário brasi¬ leiro: uma mescla de burrice e má-fé 35 . Só mesmo respondendo à moda de Lobato na carta a três meninas que lhe pediam uma ajuda em di¬ nheiro para melhorar as instalações da sua escola no Rio de Janeiro, que era então a capital do país: “Meninas Nilda, Margarida e Rute: em mãos a cartinha de 25 do mês passado, sobre a falta de gabinete dentário aí. Que vergonha! Uma escola da Prefeitura do Distrito Federal em que as crian¬ ças precisam andar pedindo esmolas para cuidar dos dentes! Vergonha das vergonhas — mas eu não me admiro porque uma Prefeitura que chegou ao ponto de mandar retirar das bibliotecas das suas escolas os meus livros infantis e queimou-os, é naturalíssimo que não pense nos dentes das crian¬ ças. É uma Prefeitura amiga da cárie. Asinus asinum fricat , diz o latim, Qui ressemble, s en- semble , diz o francês: Para tal Prefeitura só mes¬ mo a cárie dentária. Querem vocês que eu contri¬ bua... Pois não. Vou mandar uma caixa de fós¬ foros para vocês porem fogo nessa escola da Prefei¬ tura — venham todos brincar no Sítio do Picapau Amarelo. O Quindim virou dentista, e bom den¬ tista. Ele trata dos dentes de vocês todos de graça...” 36 . Era este o comunismo de Lobato. Ele falava às crianças sem faltar à verdade, zombando dos maus governantes, mas principalmente desmistificando e denunciando a incompetência e corrupção. É possível que tivesse vez e outra carregado nas tin¬ tas. Mas jamais mentiu aos seus leitores, um pú¬ blico sempre fiel e cada vez mais numeroso, que ele nem sequer supunha a princípio haver sensibili¬ zado de modo tão intenso e profundo. Só teria noção da popularidade alcançada pela sua obra infantil quando percorreu o país de ponta a ponta na sua campanha pelo petróleo, isto por volta de 1934. Quando da visita a um grupo em Belo Horizonte, é apresentado à gurizada pelo poeta Emílio Moura, os alunos se entreolham, começam a rir, sem acreditar. “É Monteiro Lobato, autor de NarizinhoV ' insistiu o poeta. Um dos meninos falou pelos colegas: “Então o senhor pensa que nós acreditamos? o homem que escreveu Narizinho não pode estar aqui!" Tal era a magia ao redor das histórias infantis que não podiam acreditar que aquele homem em carne e osso, sobrancelhudo e triste, pudesse ser Monteiro Lobato, e, além disso, estar ali ao alcance de todos. O escritor ficou emocionado e acabou convencendo as crianças de que não estavam vendo fantasma. Era ele mesmo, E O DIREITO DE SONHAR 55 o pai de Narizinho, que vinha conhecer o grupo e conversar com os alunos: — Nunca pensei que fosse tão séria a influência do que escrevo — disse então a Emílio Moura —, até agora ia escrevendo... por escrever... Mas essa meninada me deu uma lição. Vou pensar mui¬ to antes de escrever para crianças daqui por diante 37 . Foi precisamente em 1934 que o escritor decidiu reunir as aventuras de Narizinho — até então, constantes de pequenos tomos intitulados Nari¬ zinho Arrebitado (1921), O Marquês de Rabicó (1922), Aventuras do Príncipe (1927), A Caçada da Onça (1927), O Gato Félix (1927), O Noivado de Narizinho (1927), O Circo de Escavalinho (1927), A Pena do Papagaio (1930), O Pó de Pir- limpimpim (1930), As Caçadas de Pedrinho (1933), e Novas Reinações de Narizinho (1933) — num único volume, que Lobato chamou 'conso¬ lidação', o que se efetivou naquele ano, “quando apareceu com a chancela da Companhia Editora Nacional o texto definitivo de Narizinho Arrebi¬ tado . À frente da maior empresa editora do país, Octal- les Marcondes Ferreira será o seu editor, até 1944, quando resolve associar-se a Artur Neves e Caio Prado Júnior, para a fundação da Editora Brasi- liense. A partir daí, suas edições passam a ter a tiragem de 200 mil exemplares. Na Argentina, as edições da Losada são de 250 mil exemplares 39 . As tiragens daquele ano ultrapassavam a casa do milhão de exemplares soem livros infantis 40 . Não arrefece a amizade com Octalles. De uma carta a Jerônimo Monteiro datada de 1947, dirá o se¬ guinte: “A confiança entre nós sempre foi perfeita; minha conta corrente vivia sempre em oscilação. Teve ano em que meu débito passou de 150 mil cruzeiros; e ano em que meu crédito foi a mais do dobro disso. Nunca um abusou do outro. Sempre reinou a mais perfeita cordialidade e lealdade. E o resultado é que, em vez de andar a falar mal do meu velho editor, como fazem vocês todos, eu con¬ tinuo a tê-lo como o número 1, entre os meus amigos — e já estamos separados — já não é mais ele o meu editor. Embora aparentemente indife¬ rentes, Octalles sabe que conta comigo em todos os terrenos. Não andamos às beijocas porque sempre fomos secos — mas eu quero a Octalles como a um filho — o último filho homem que me resta'* 41 . A obra de Monteiro Lobato não termina com o que chamou ‘consolidação* de Narizinho Arrebitado . É a partir daí que ela se expande e adquire maior consistência, a começar por Emília no Pais da Gramática (1934) e Aritmética da Emília (1935), Geografia de D. Benta (1935), Serões da D. Benta (1937), Histórias de Tia Nastácia (1937), O Poço do Visconde (1937), Viagem ao Céu (1937), O Minotauro (1939), O Picapau Amarelo (1939), Memórias de Emília (1939), O Espanto das Gentes (1941), A Reforma da Natureza (1941), A Chave do Tamanho (1942), sem falar nas séries que levantaram tanta celeuma, História do Mundo para Crianças (1933) e História das Invenções (1940) e nas numerosas traduções e adaptações de obras de autores estrangeiros, como D. Quixote das Crianças (1936), além das histórias extraídas da mitologia greco-romana, num total de treze, se incluído o já citado O Minotauro . Ê um mundo, sem dúvida, maravilhoso, que tem encantado as crianças não só do Brasil, como de toda a América Latina. O segredo de Lobato está na espontaneidade do seu estilo, descontraído e seguro, na propriedade na aplicação das palavras, grande leitor que era dos dicionários, num tempo em que ainda não existia o melhor de todos, o de Mestre Aurélio. “O relato de simples manuseio de dicionário — recorro-me ainda a uma observação de Cassiano Nunes — nos oferece, de modo didático, a relação visual de Lobato com as palavras. Leiamos o tre¬ cho de uma carta que enviou a Rangel em 1909: 'mandei vir o dicionário de Aulete, que é ainda o melhor e estou a lê-lo. Aventura esplêndida, Ran¬ gel! os vocábulos são velhos amigos nossos que pelo fato de diariamente nos acotovelarem nos bruaás da Língua não nos merecem a atenção curiosa e indagadora que damos às palavras estrangeiras. Pelo fato de freqüentar uma parente, você chega a ponto de não poder descrever-lhe a cara — e no entanto é capaz de até desenhar de memória a cara dum estranho que viu ontem. Daí o valor da leitura do dicionário. Todo o povo tumultuoso da praça pública da língua lá o encontramos individuali¬ zado como soldados em quartel, cada um com o seu número, o seu posto, perfilados e obedientes, quando os defrontamos. No dicionário encontra¬ mos um cavalo. Na rua, vemos passar cavalos. ‘Quem é você?' E ele muito sério: ‘Substantivo, masculino. Quadrúpede doméstico, solípede, ra- MONTEIRO LOBATO 56 mo ou tronco que enxerta, banco de tanoeiro, etc. etc.’ A gente regala-se com o mundo de coisas que o cavalo é, e muitas vezes, também nos regalamos com as cavalidades do dicionarista” 42 . Grande escritor, a quem Carlos Drummond de Andrade chamou de “herói civil da Literatura” 43 , que deu assim a exata dimensão de Monteiro Lobato, o homem e o escritor. Na sua última entrevista pelo rádio, pouco antes de morrer, con¬ versa descontraída, com o repórter Murilo Antu¬ nes Filho, que lhe perguntava se gostaria de ter vivido como viveu, dirá apenas isto: “Eu acho que queria isso: viver de novo a minha vida, a vida que eu vivi escrevendo coisas mais variadas, de mais interesse para as crianças e mais, porque as crian¬ ças me condenam uma coisa: que eu escrevi pouco para elas; poderia ter escrito muito mais. E eu creio que sim. Eu perdi o tempo escrevendo para gente grande, que é uma coisa que não vale a pena”. O repórter insiste, numa daquelas infalí¬ veis perguntas do nosso jornalismo radiofônico: “Chegamos à nossa última pergunta: nesta hora, neste momento, qual seria o seu maior desejo, Monteiro Lobato”. E a resposta: “Meu maior desejo, neste momento, seria ver este locutor pelas costas e eu já lá em cima, no meu apartamento, na cama, para descansar desta esfrega que eu levei hoje” 44 . Lobato morreu dois dias depois, às 4 da manhã, de 4 de julho de 1948. Aos amigos dissera na véspera: “Meu cavalo está cansado, querendo cova, e o cavaleiro tem muita curiosidade em verificar, pessoalmente, se a morte é vírgula, ponto e vírgula ou ponto final” 45 . NOTAS 1. ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. Sào Paulo, Melhoramentos, 1968. p. 203. 2. CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato, vida e obra. Sào Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1950. v. 1, p. 192. 3. MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. Sào Paulo, Cultrix, Ed. da USP, 1978. v. 6, p. 38-9. 4. Por ocasião do centenário da sua fundaçào, O Estado de São Paulo publicou uma série de suplementos do maior interesse histórico. Um desses suplementos do centenário foi especial¬ mente dedicado à Revista do Brasil e da sua elaboração se encarregou a Professora Cecília de Lara, da Universidade de Sào Paulo, que se especializou no estudo dos periódicos do Modernismo e da fase que antecedeu o movimento. E o suple¬ mento de n. 36 e traz a data de06.09.1975. 5. Ver, a propósito, a introdução de Francisco de Assis Bar¬ bosa a Idéias econômicas de Miguel Calmon. Brasília. Senado Federal: Rio de Janeiro, Fundaçào Casa de Rui Barbosa, 1980. (Açàoe Pensamento da República, 1), p. 23-78. 6. ROQUETTE-PINTO, E. Rondônia. 3. ed. Sào Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1934(Brasiliana, 34). 7. CAVALHEIRO, ob. èit., v. 1, p. 194. 8. Lobato pretendia dar ao volume o título de Doze Histórias Trágicas. Por sugestào de Artur Neiva, emendou-o para Uru- pês. CAVALHEIRO, ob. cit., v. 1, p. 200. 9. Idem, idem, v. 1, p. 209. 10. Idem, idem, v. 1, p. 211. 11. VIANA FILHO, Luis. A vida de Rui Barbosa. 8. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio; Brasília, INL, 1977. (Documentos Brasi¬ leiros, 177), p. 367. 12. ROQUETTE-PINTO, E. Ensaios de Antropologia brasi¬ leira. 2. ed. Sào Paulo, Cia. Ed. Nacional; Brasília, INL, 1978 (Brasiliana, 22), p. 5 e 10. 13. BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. Sào Paulo, Brasi- liense, 1956. p. 98 e68. Às obras de Lima Barreto, reporto-me sempre a esta ediçào de 1956, que é a fidedigna. 14. MANGABEIRA, Joào. Ruieo estadista da República. Rio de Janeiro. J. Olympio, 1943. (Documentos Brasileiros, 40), p. 287. 15. CAVALHEIRO, ob. cit., v. 1, p. 216. 16. ANDRADE, Oswald de. Ponta de lança ; polêmica. 3. ed. Rio de Janeiro, 1972. (Obras Completas, 6), p. 4. Prefácio de Mário da Silva Brito, “Oswald, democracia e liberdade". Noutro passo, disse o mesmo Oswald de Andrade: “Foi em Lobato que a renovação teve de fato o seu impulso básico. Ele apresentava, enfim, uma prosa nova". Apud. NUNES, Cas- siano. Monteiro Lobato: uma teoria de estilo. In:_. Breves estudos de literatura brasileira. Sào Paulo, Saraiva, 1969. p. 66. 17. CAVALHEIRO, ob. cit., v. 1, p. 218. 18. NUNES, Cassiano. Mark Twain e Monteiro Lobato: um estudo comparativo. In: _. Norte-americanos. Sào Paulo, Comissào Estadual de Literatura, 1970. p. 116. 19. NUNES. Breves estudos de literatura brasileira, cit; 68. 20. MALTA, J. M. de Toledo. Seleta dos ensaios de Mon- taigne. Pref. de Leo Vaz. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1961. O prefácio conta a história desse engenheiro civil, funcionário da Secretária de Viaçào e grande calculador de resistência de materiais da Repartição de Águas do Estado, sócio do clube de Xadrez e dos mais assíduos freqüentadores, parceiro das par¬ tidas com Monteiro Lobato e autor de um romance satírico, Madame Pommery, que figura entre os mais importantes do Pré-Modernismo. 21. CAVALHEIRO, ob. cit., v. II, p. 566. 22. VOLTOLINO, pseud. de Lemmo Lemmi (1886-1926), desenhista de extraordinário talento. Só agora sua obra começa E O DIREITO DE SONHAR 57 a ser estudada. Ver: BELLUZZO, Ana Maria de Morais. Vol- tolino e as raízes do modernismo ; dissertação de mestrado. São Paulo. s.d. 220 fls. Trabalho por sinal excelente e que merece ser publicado em livro. 23. ARROYO, ob. cit., v. 2, p. 570-1. 24. CAVALHEIRO, ob. cit., v. 2, p. 570 1. 25. ARROYO. ob. cit.. p. 204. 26. Idem, idem, p. 204. 27. Idem, idem, p. 205. 28. Idem, idem, p. 205. 29. CAVALHEIRO, ob. cit., v.l.p. 253. 30. A situação é descrita com pormenores no livro de Anna Maria Martinez Corrêa, A Rebelião de 1924 em São Paulo, São Paulo, Hucitec, 1976. 31. A prisão e o processo são tratados na obr* Justitia, de José Carlos de Macedo Soares. São Paulo, s.ed., 1925. 32. CAVALHEIRO, ob. cit., v. 1, p. 370-6. 33. NUNES, Cassiano. O patriotismo difícil ; a correspon¬ dência entre Monteiro Lobato e Artur Neiva. São Paulo, s.ed., 1981. p. 13. 34. Idem, idem, p. 17-8. 35. NUNES, Cassiano. O sonho brasileiro de Lobato. Brasília, s.ed., 1979. p. 17-8. 36. NUNES, Cassiano. Monteiro Lobato hoje. São Paulo, Biblioteca Municipal Mário de Andrade, 1979. p. 40. Separata de Boletim Bibliográfico , SãoPaulo(39), jan./jun. 1979. 37. CAVALHEIRO, ob. cit.. II, p. 610. 38. ARROYO, ob. cit., p. 205. 39. CAVALHEIRO, ob. cit., II, p. 560. 40. NUNES, Cassiano. Mark Twain e Monteiro Lobato. In: ob. cit.. p. 89. 41. ARROYO, ob. cit., p. 206. 42. NUNES, Cassiano. Monteiro Lobato hoje, cit., p. 39. 43. Apud NUNES, Cassiano. O sonho brasileiro de Lobato’, cit., p. 47. 44. CAVALHEIRO, ob. cit., II. p. 831. 45. Idem, idem, II, p. 693. Com esta edição fac-similar, fora de comércio, da 1? edição de A Menina do Narizinho Arrebitado , com as ilustrações de Voltolino, a Metal Leve associa-se às homenagens prestadas a Monteiro Lobato no centenário de seu nascimento, trans¬ corrido este ano. Para esta edição, sugerida por Camila Cerqueira César e pelo Celiju, a Metal Leve contou também com a cooperação da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, da Prefeitura Municipal de São Paulo, que emprestou seu exemplar da edição original; da família de Monteiro Lobato, autorizando a edição; e do ilustre escritor Francisco de Assis Barbosa, da Academia Brasileira de Letras, autor do magnífico ensaio que acompanha o texto de “Narizinho*’ — “Monteiro Lobato e o direito de sonhar”. A todos a Metal Leve agradece tão precioso con¬ curso. São Paulo, 1982. Coordenação gráfica: Composição : Fotolitos: Impressão: Acabamento: Diana Mindlin Forma Composições Gráficas Ltda. Reproffset Santos Marcondes Gráfica Editora Ltda. Central Gráficos Ltda. 25 01X da “REVISTA do BRASIL,, NEGRINHA, contos por Monteiro Lobato URUPÊS, contos por Monteiro Lobato, 6.» edição. CIDADES MORTAS, contos por Monteiro Lobato, 2* edição. IDÉAS DE JÉCA TATÚ, critica por Mon¬ teiro Lobato, 2.» edição. POPULAÇÕES MER1DIONAES DO BRA- ZÍL, estudo de sociologia por F. J. Oliveira Vianná. PROFESSOR JEREMIAS, por Léo Vaz, 8> edição. VIDÀ E MORTE DE GONZAGA DE SÁ, romance por Lima Barreto .... LIVRO DE HORAS SOROR DOLOROSA, poesias por Guilherme de Almeida ALMA CABOCLA, versos de Paulo Se¬ túbal, 2. ft edição . DIAS DE GUERRA E DE SERTÃO, in¬ teressante narrativa pelo Visconde dk Taunav . MADAME POMMFRY, romance satyrico, por Hilário Tácito. BRASIL COM S OU COM Z, por F. As¬ sis Cintra . VIDA OCIOSA, romanoe por Godofredo Rangel . OS CABOCLOS, contos por Vàldomiro Silveira . HISTORIAS DA NOSSA HISTORIA, por Viriato Corrêa. O MYSTFRIO por Afranio Peixoto, Cob lho Netto, Medeiros Albuquerque e Viriato Corrêa. BROC. EKC. 2$õ00 3$ 500 4 $000 51000 4$000 5$000 4$000 5$000 ÍOSOOO 12$000 4$000 5$000 2$000 - 5$000 - 3$000 4 $000 4 $000 5$000 4 $000 - 3$000 - 4 $000 5$eoo 4$000 5$000 4$000 5$000 4$000 5$000 PEDIDOS AOS EDITORES : MONTEIRO LOBATO & C.* CAIXA N. 2-A S. PAULO Pedidos para o inte¬ rior. mais 10 */* para o porte no correio. Preço: 3$ 500 TYP. SOC. EDITORA OLEGARIO RIBEIRO - Abranche*. 43 - S. PAULO